Fundada na cidade de São Paulo em 1926 pelo médico Gastão Fleury da Silveira e, portanto, prestes a completar 100 anos, a empresa esteve entre as protagonistas das duas grandes ondas de junção vistas na sua área desde a virada do século. “O mercado de medicina diagnóstica foi um dos primeiros a viver uma consolidação”, afirma Leandro Berbert, especialista na área de saúde da consultoria EY. “Foi o começo do setor de saúde como conhecemos hoje.”
Como costuma ocorrer, no começo as empresas mais capitalizadas apostaram em diversas estratégias — da expansão geográfica até a verticalização, com grupos reunindo sob o mesmo guarda-chuva laboratórios, hospitais e outros serviços. No caso do Fleury, o foco foi aumentar o número de localidades atendidas. Para tanto, de 2002 a 2012, o grupo adquiriu 29 concorrentes. O Rio de Janeiro foi o estado mais visado, concentrando oito negócios. Foi ali, também, que a companhia fechou o principal acordo do período — a compra da rede de laboratórios Labs D’Or, em 2011, por 1 bilhão de reais.
Além de reforçar a cadeia de atendimento com 57 unidades oriundas da nova controlada, a transação abriu as portas de 21 hospitais da Rede D’Or/São Luiz que utilizavam os serviços de medicina diagnóstica do Labs D’Or. O movimento foi decisivo para que o Fleury mudasse de patamar. Sua receita líquida subiu de 872 milhões de reais, em 2010, para 1,1 bilhão no ano seguinte. Em 2012, a cifra bateu em 1,5 bilhão. desses negócios fracassam, a empresa desafia a lógica e soma 19 transações desde 2017.
O Grupo Fleury realizou, ao longo de sua trajetória, 47 aquisições e uma fusão de 2002 a 2024 — e ainda arrancar elogios do mercado. “O Fleury mostrou que sabe fazer boas compras e entregar resultados”, diz Guilherme Vianna , analista do setor de saúde da corretora Genial Investimentos.
Encerrada a primeira onda de compras, o grupo se concentrou em melhorar a rentabilidade das novas controladas, e os números não deixam dúvidas de que conseguiu. Para ter ideia, de 2013 a 2016, a geração de caixa operacional, que indica quanto dinheiro é obtido apenas com as atividades, excluindo eventuais ganhos de aplicações financeiras e outras fontes, saltou 145%, passando de 210 milhões para 514 milhões de reais. O lucro líquido disparou 275%, de 61 milhões para 229 milhões. Enquanto isso, a receita líquida cresceu “apenas” 23% no período, para 2,1 bilhões de reais.
Cumprida a tarefa de arredondar as operações, o grupo voltou às compras em 2017. Daquele ano até 2024, o Fleury assinou dezenove acordos, que somam mais de 2 bilhões de reais. Desta vez, além da entrada em cidades onde não atuava, buscou outras fontes de crescimento. Em 2021, por exemplo, a empresa adquiriu a rede Vita, especializada em ortopedia e terapia ocupacional, e o Centro de Infusões Pacaembu, dedicado à aplicação de medicamentos intravenosos. “Queremos completar a jornada de cuidado do paciente, seguindo nossa ambição de sermos líderes em saúde no Brasil”, afirma Jeane Tsutsui, de 56 anos, a executiva-chefe do Fleury. Médica cardiologista natural de Catanduva, no interior de São Paulo, Tsutsui ingressou no grupo em 2001 e galgou posições até ser nomeada CEO em 2021, quando o mundo ainda enfrentava a pandemia de covid- 19. Coube a ela conduzir o maior negócio já realizado pela companhia: a fusão com o Instituto Hermes Pardini. Anunciada em junho de 2022 e aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica um ano depois, a transação catapultou o Fleury para a liderança do setor de diagnósticos médicos. O acordo permitiu ao Fleury entrar em novos estados, como Minas Gerais, mas o grande atrativo do Hermes Pardini é a prestação de serviços para outros laboratórios, um mercado em que o Fleury não era forte. A receita líquida passou de 4,5 bilhões para 7,7 bilhões de reais de 2022 para o ano passado. É verdade que a Dasa, sua maior rival, fatura cerca de duas vezes mais, mas é preciso lembrar que a Dasa opera em dois mercados: a gestão de hospitais, em que o Fleury não atua, e os serviços de diagnósticos, que rendem uma receita pouco menor que a do Fleury.
A Dasa, aliás, é vista pelo mercado como um caso de crescimento acelerado que trouxe mais problemas do que melhorias. De 2019 a 2022, a empresa promoveu trinta aquisições, ao passo que o Fleury fechou doze. Tamanha voracidade foi estimulada pelas dificuldades enfrentadas por empresas menos capitalizadas, que sofreram com o lockdown promovido pelas autoridades públicas para conter a pandemia de coronavírus. Basta lembrar que, no auge da crise, os laboratórios estavam autorizados apenas a realizar exames de emergência, o que reduziu drasticamente o faturamento. Além disso, como o Banco Central havia cortado a taxa Selic para 2% ao ano, a fim de estimular a economia, havia abundância de dinheiro barato para financiar M&As.
As condições favoráveis, contudo, foram mal aproveitadas pela Dasa, que acumulou problemas com a mesma rapidez com que selou novos negócios. “A empresa tomou decisões erradas, em termos de preço e posicionamento de marca”, afirma Vianna, da Genial. Após reportar um lucro líquido de 130 milhões de reais em 2019, a companhia apresentou perdas de 306 milhões três anos depois. Para piorar, a dívida líquida disparou de 1,9 bilhão para 8,4 bilhões de reais no mesmo intervalo. As dificuldades continuaram nos anos seguintes. Atualmente, a dívida da Dasa soma 10 bilhões de reais, e a empresa segue com prejuízos milionários.
Fonte: Marcio Juliboni, VEJA, 28/03/25











